Gosto muito de passear pelo mundo virtual procurando por textos que possam responder meus questionamentos infinitos. E para minha felicidade sempre encontro o que procuro através de pessoas que muitas vezes não imaginam sequer minha existência, mas que se tornam grandes inspiradores para minhas "viagens". Hoje, encontrei e quero compartilhar o texto abaixo, escrito por Leandro Konder, filósofo e escritor.
O que são esses conjuntos de palavras e imagens, de realidades criadas pelos conhecimentos, pela imaginação e, sobretudo, pela ação dos homens?Como as sociedades estão profundamente divididas é fácil entender que a Cultura delas só podia mesmo ser contraditória. Por isso, temos, na verdade, diferentes culturas numa mesma sociedade.
A Cultura dos “de cima“ se orgulha de proporcionar aos seus admiradores obras que os “de baixo” nem sempre entendem. A erudição alcançada por muitos intelectuais e artistas, cientistas e políticos tradicionais merece respeito. Porém paga um preço alto por fixar-se freqüentemente em si mesma, limitando-se aos horizontes elitistas da classe dominante.
Já se comprovou historicamente que, nos poucos momentos em que se abriu para o aproveitamento cultural das criações das camadas populares, surgiram obras de arte extraordinariamente significativas, como, por exemplo, na França e na Itália do Renascimento. Os leitores do padre bilontra François Rabelais nunca hão de esquecer as histórias da família de gigantes que ele inventou.
No Brasil, as coisas caminham devagar. Quando as mudanças se tornam imperativamente necessárias, elas vão se fazendo, mas tudo em ritmo lento. Entre os intelectuais ainda se encontram manifestações de desinteresse e desprezo pelos pontos fortes da cultura popular. Mesmo democratas se descuidam e deixam transparecer preconceitos em relação à Cultura dos “outros”.
Os “de cima” deveriam levar em conta a dificuldade que os “de baixo” têm para entendê-los, porém deveriam prestar atenção também na suas próprias dificuldades para entender o que se passa na esfera deles, os “de cima”.
Até certo ponto é bom que os homens acreditem nos valores da cultura particular em que foram criados. É saudável que tenham valores e convicções. O perigo está em exagerarem nas suas crenças e se esquivarem ao diálogo com os outros. Não é raro perceber entre os membros das camadas mais pobres na população certa dificuldade para compreenderem a linguagem dos “ricos”.
Mesmo quando se trata de “ricos progressistas”, os “pobres” têm uma sensação de “estranheza” ao ouví-los criticar o “povo” e fazer sugestões para a ação política das camadas populares.Um conceito filosoficamente essencial, tal como é desenvolvido pelos intelectuais – o conceito de tempo – representa experiências distintas quando aparece na perspectiva de uns ou transparece na perspectiva dos outros.Quando um intelectual de esquerda, subjetivamente disposto a dialogar com o “povo”, fala em tempo histórico, ele freqüentemente manifesta certa impaciência ética que os trabalhadores não têm espaço para cultivar, em suas usuais condições de vida.
Quando os trabalhadores falam em paciência, eles não estão necessariamente capitulando diante da resignação. O tempo que lhes é imposto exige deles uma capacidade de suportar a pressão, reagindo da forma que lhes parece possível.
O poeta alemão Bertold Brecht compreendeu esse fenômeno com clareza. É o que se nota numa das pequenas estórias de seu personagem o senhor Keuner. O senhor Keuner estava tranqüilamente em sua casa, quando ela foi invadida por um gigante fardado que o interpelou: “Queres servir-me?”.
O senhor Keuner, então, foi para a cozinha e passou a preparar comida para o invasor. Durante semanas, meses e até anos, preparou acepipes variados, sobremesas deliciosas e excelentes bebidas para o gigante. Um dia, este morreu. O senhor Keuner arrastou o cadáver até o fundo do jardim, jogou-o num buraco e respondeu: “Não!”.
A concepção do tempo na vida do senhor Keuner se revelou mais forte do que a concepção do tempo adotada pela cultura do explorador truculento.
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