sexta-feira, 20 de março de 2009

“A inteligência dos Antropóides” de Wofgang Köhler














Trabalhando com chimpanzés, usei método um pouco diferente. O antropóide estava preso em uma jaula gradeada, observando-me. Fora do alcance dos seus braços, cavei um buraco, coloquei algumas frutas e cobri tudo — buraco e arredores — com areia. O chimpanzé não conseguia alcançar o alimento desejado, porque o buraco havia sido cavado bem longe de sua jaula. Assim que me aproximei das grades, ele me agarrou o braço e tentou empurrá-lo em direção ao alimento escondido, reação que adotava sempre que não conseguia alcançar, por seus próprios meios, o objetivo desejado.
É claro que esse comportamento já era uma reação retardada. Todavia, como eu desejava um retardamento ainda maior, não lhe fiz o favor pedido. Vendo que suas súplicas não eram atendidas, o chimpanzé largou o meu braço e começou a brincar em sua jaula, aparentemente desatento com o lugar onde a comida fora enterrada. Quarenta e cinco minutos depois, joguei uma vara dentro da jaula, no lado oposto ao do buraco que continha as desejadas frutas. Acostumado que estava a usar varas como instrumentos, o antropóide imediatamente se apossou dela, dirigiu-se para as barras próximas do buraco, e começou a escavar a areia no ponto exato onde estavam enterradas as frutas. Conseguiu desenterrá-la e puxá-las para si. Esse experimento foi repetido muitas vezes — com as frutas enterradas em diferentes lugares — sempre com os mesmo resultados positivos.
Como os comportamentos obtidos eram sempre admiravelmente corretos, resolvi aumentar o tempo entre a percepção do alimento e a oportunidade de obtê-lo. Assim, um dia, enterrei alimento num lugar qualquer do grande terreno que os antropóides usavam para recreação. Os animais assistiram a operação, mas não tiveram oportunidade de obter a comida desejada, porque eu os levei imediatamente para o dormitório. Só os trouxe de volta no dia seguinte, cerca de dezessete horas depois, mais de metade das quais eles passaram dormindo. Pois bem. Assim mesmo, um dos chimpanzés não hesitou um momento: assim que voltou ao pátio de recreio, encaminhou-se diretamente para o local em que as frutas foram enterradas, e descobriu-as após algumas tentativas.
Poder-se-ia dizer que o local onde estava enterrado o alimento não atraiu o antropóide pelo fato de este saber que havia comida ali, mas por causa do aspecto incomum que o terreno apresentava, dada as escavações feitas por mim. Aos meus olhos nada havia de incomum ali, porque tomei a precaução de cobrir toda a área com areia seca. Todavia, para rebater melhor essa crítica, devo acrescentar que, depois de os animais terem sido recolhidos, cavei vários buracos e enchi todos da mesma forma. No entanto, como disse, o animal dirigiu-se ao local certo.
Em outro experimento escondemos uma vara no madeirame do teto, de tal forma que os animais não a podiam ver do chão. Mais uma vez eles observaram com grande interesse o nosso incomum procedimento. Logo a seguir foram levados para o dormitório. Na manhã seguinte, quando um deles foi trazido para a sala em questão, viu algumas bananas do outro lado das grades, fora do alcance dos eus braços. Como fazem os antropóides acostumados a usar bastões, ele olhou em volta — da mesma forma que o faria alguém que estivesse procurando algo –, mas não encontrou nenhum instrumento capaz de o auxiliar. Depois de alguns segundos, olhou para o lugar onde a vara tinha sido escondida na noite anterior. Ele não podia ver a vara, mas, mesmo assim, subiu naquela parte do teto onde ela tinha sido posta. Logo desceu com ela nas mãos, dirigiu-se às bananas e puxou-as para si. Repeti esse experimento com todos os chimpanzés que haviam visto o bastão ser escondido no teto e, todos eles, independentemente uns dos outros, resolveram o problema do mesmo modo.
(…)
Se essa observações tiverem algum fundamento, seremos compelidos a rever nossas teorias a respeito da aprendizagem. Mas isso exigirá, fatalmente, novos experimentos, porque, apesar de já conhecermos algumas coisa a respeito da organização e reorganização de campos perceptivos no homem, quase nada sabemos disso quando se trata de animais. Assim sendo, proponho que realizemos experimentos nesse sentido. Temos métodos para isso. Enquanto esses experimentos não são realizados, podemos adiantar como simples hipótese que, tanto nos animais como nos seres humanos, a forma de apresentação dos estímulos num campo tem grande influência na organização resultante. Uma conseqüência prática dessa hipótese é a seguinte: podemos auxiliar melhor os animais a prenderem, se apresentarmos os estímulos de tal modo e em tais condições gerais de ambientação que esses estímulos tendam espontaneamente a se tornar os fatores dominantes da situação. Todavia, este não é o local apropriado para explicar de que modo isso poderá ser feito.
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Um dia um chimpanzé não foi alimentado pela manhã, mas o seu alimento foi pendurado no teto de seu viveiro. Pusemos uma caixa no chão, a alguns metro do local adequado, mas o animal não a utilizou. Na verdade, ele nunca havia utilizado anteriormente uma caixa como instrumento auxiliar. Tentou, em vão, alcançar o alimento dependurado no teto, pulando para alcançá-lo, subindo pelas paredes externas e se deslocando ao longo do telhado. Em dado momento, ficou tão fatigado que foi várias vezes até a caixa para sentar-se e descansar um pouco, enquanto olhava tristemente para a comida dependurada no teto. Passaram-se muitas horas sem que o chimpanzé mostrasse qualquer indício de ter atinado com a solução do problema. Peguei, então, a caixa, coloquei-a debaixo do alimento, subi nela, e toquei o alimento com as mãos. Em seguida desci e novamente empurrei a caixa para longe. Em menos de um minuto, o chimpanzé, que havia observado os meu procedimentos, pegou a caixa, arrastou-a para baixo do alimento, subiu nela, e conseguiu a fruta desejada.
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Observando o comportamento de um companheiro que sabe resolver o problema, um chimpanzé inteligente percebe logo que, por exemplo, mover a caixa significa deslocá-la para debaixo da comida. O movimento é percebido como um deslocamento com essa orientação fundamental. Por outro lado, um animal estúpido vê o movimento da caixa como algo isolado, isto é, não o relaciona com o local do alimento. Ele verá fases isoladas do desempenho todo, não as percebendo como partes relacionadas com a estrutura essencial da situação, como partes da solução. É claro que essa organização correta não é simplesmente simplesmente transmitida na seqüência de imagens retinianas que a ação do animal modelo produz. Com o imitar acontece o mesmo que com o ensinar. Ao ensinarmos crianças, apenas podemos propiciar a elas condições ou “sinais” favoráveis para as novas coisas que a criança tem de “aprender”; é sempre necessário que a criança também contribua com algo, algo esse que poderíamos chamar de “entendimento”, e que, às vezes, surge de repente. Não podemos simplesmente despejá-lo dentro da criança.

Se, em alguns casos, os antropóides são capazes de “ver” a conexão necessária que existe entre as partes do desempenho que observam e os fundamento de uma situação, surge naturalmente a pergunta. Será que, às vezes, esse animais seriam capazes de inventar desempenhos desempenhos semelhantes, como soluções para novas situações? Um antropóide que vê uma caixa colocada sob algumas frutas dependuradas do teto, mas não diretamente, tentará alcançá-las subindo nela. Como a caixa não está corretamente colocada, talvez o antropóide não consiga alcançar imediatamente o alimento desejado. Seria ele capaz de “entender a situação” e mover um pouco a caixa para que ela fique sob o alimento? Já descrevi, em outra ocasião, o modo pelo qual alguns chimpanzés resolvem esse tipo simples de problema, sem a ajuda de treinos ou da imitação do comportamento de companheiros. Essa descrição já foi uma vez traduzida para o inglês; não há necessidade de repeti-la aqui.
Seja-me, porém, permitido mencionar um aspecto do comportamento dos antropóides, que pode ser observado em muito experimentos. Um antropóide vê seu alimento no chão, fora de sua gaiola e longe do alcance de suas mãos. Ele já usara diversas vezes um bastão como instrumento auxiliar nessa situação, mas, agora, não há nenhum em sua gaiola, mas apenas uma pequena árvore, um tronco com dois ou três galhos. Durante muito tempo o animal não encontra solução para o seu problema. Ele conhece bastões e sabe usá-los mas, agora, não os têm a sua disposição e sim uma árvore. Ele não vê as partes da árvore como bastões em potencial. Mas, de repente, ele descobre a solução do problema: quebra um dos galhos da árvore e o utiliza como um bastão.
(…)

Fragmento de: “A inteligência dos Antropóides” de Wofgang Köhler
Fonte: KOHLER, Wolfgang. Wolfgang Köhler: Psicologia. São Paulo: Ática, 1978. p. 39-56.
Publicação original: Köhler, Wofgang. Intelligence in apes. In MURCHINSON, C. (org.). Psychologies of 1925. Worcester: Clark University Press, 1926. pág. 145-161. (Conferência pronunciada na Clark University em 30 de abril de 1925.) A seguir, fragmentos do texto integral.

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